Publicações
António Abrantes do Couto
António Abrantes do Couto nasceu em Manteigas no ano de 1947, sendo o filho mais novo de Francisco Couto e de Maria da Graça Abrantes da Cunha. Desde cedo que trabalhou numa fábrica para ajudar no sustento da sua casa. Casou muito novo com uma menina chamada Maria da Conceição Fonseca Santos Couto e ambos estabeleceram residência na Covilhã. Cumpriu serviço militar durante a Guerra Colonial na Guiné. No dia 17 de Novembro de 1969 aquando do rebentamento de uma mina, António do Couto faleceu, dando a sua vida em prol da pátria.
Na ata de sessão de Câmara de 9 de Abril de 1985 ficou deliberado o seguinte: “homenagem a António Abrantes Couto, igualmente o Sr. Presidente propôs que fosse dado o nome de António Abrantes Couto à Travessa compreendida entre as ruas General Póvoas e Dr. Sobral. Pretende-se com esta iniciativa, homenagear não só o munícipe que, numa antiga colónia ultramarina, prestou serviço Militar e aí perdeu a vida, mas principalmente, atestar aos vindouros a homenagem a toda a Juventude de Manteigas, que, durante a Guerra Colonial, teve que sacrificar vidas e famílias por imperativos nacionais”.
Atividades económicas
“Os primeiros teares criaram-se, em já difusos e incontáveis dias, para a lã que produziam os rebanhos dos Hermínios”.
in A lã e a neve, Ferreira de Castro.
Economicamente, a pastorícia e a indústria dos lanifícios constituíram importantes atividades da vila de Manteigas.
A pastorícia permitiu o aproveitamento de terrenos que se encontravam abandonados ou que não eram úteis. A fraca qualidade dos solos, muitas vezes pedregosos, e as condições climatéricas prevalecentes nas áreas de maior altitude sempre se traduziram numa reduzida capacidade produtiva agrícola. Acontece que, sem a contribuição pecuária na fertilização das terras dos maninhos, a cultura do centeio, única possível entre os mil e os mil e setecentos metros de altitude, não teria sido viável.
No campo da indústria, o setor dos lanifícios conheceu uma grande importância na vila de Manteigas. No ano de 1524, sabe-se que o monarca D. João III fez mercê no concelho da “vedoria dos panos” aí produzidos. Em meados da centúria de quinhentos, já existiam em Manteigas três pisões, o que significa que nesta altura se realizava, localmente, todo um conjunto de operações inerentes à produção de lã e ao acabamento dos tecidos. Em Manteigas, como em muitos outros centros produtores de lanifícios, a existência de matérias-primas, as disponibilidades energéticas e os baixos custos da maior parte do equipamento industrial tornavam possível a montagem de pequenas unidades de produção, por artificies e artesãos habilitados.
A política industrial adotada pelo Conde da Ericeira no século XVII tinha como principal objetivo a montagem de manufaturas em zonas tradicionalmente produtoras e, em relação aos lanifícios, procurou centralizar a produção preferencialmente na Serra da Estrela, “onde tudo são lãs e panos”. A instalação da unidade manufatureira na vila de Manteigas viria a transforma-la num centro industrial com grandes potencialidades, tendo ganho uma posição de algum destaque na atividade têxtil.
Comandante Matos Preto
Natural de Manteigas, onde foi batizado com o nome de Vasco Pereira de Matos Preto. Atinge a patente de comandante sendo responsável pelo comando da Chaimite, uma embarcação de guerra munida de dois canhões Hotchkiss de calibre 47 e 40 mm e duas metralhadoras Nordenfelt de 11,4mm de calibre. Em plena 1ª Grande Guerra esta embarcação encontrava-se na foz do rio Rovuma, no norte de Moçambique. Convivia diariamente com o perigo, ordenando os seus marinheiros e organizando toda a armada, sendo a sua dedicação ao trabalho uma demonstração do seu amor pela Pátria. A superioridade numérica dos alemães esmagava os esgotados esforços portugueses. Assim, o Comandante Matos Preto é posto em cativeiro alemão durante algum tempo, após um ataque perpetrado pelos germânicos no dia 26 de Maio de 1917. Meses mais tarde, o comando inimigo faz-lhe uma proposta muito aliciante. Em troca da sua liberdade, os alemães queriam que o comandante português não voltasse a lutar. Esta oferta foi de imediato recusada, uma vez que este homem preferia a morte do que abandonar as suas funções. Desta forma, ficou detido até ao dia 29 de Novembro de 1917, quando devido à intensa pressão inglesa, os alemães se desfazem dos presos de guerra.
No jornal Estrela da Beira de 12 de Abril de 1925 podemos ler o seguinte “era um militar brioso e valente, um marinheiro que muito honrava a farda que vestia e a corporação de que fazia parte. Se há que rever a biografia dalguns heroes da guerra de 1914, apreciando devidamente o papel que nela representaram, não está nessas condições a de Mattos Preto a não ser para que se torne bem conhecida do paiz inteiro, que mal o conheceu e talvez dele já não guarde lembrança. Prisioneiro dos alemães, por ocasião da famosa passagem do Rouvuma, não quis tomar o compromisso de não voltar a combate-los, em qualquer campo de batalha, durante a guerra em curso, e por esse motivo o conservaram preso durante meses, sujeitando-o a privações, sem nenhuma consideração pela sua carreira militar. Foi nestas condições que Matos Preto contraiu a doença de que veio a morrer, a tuberculose, deixando a família, que lhe enchia o coração e lhe abrasava a alma, em precárias condições.”. O fatídico dia aconteceu a 19 de Junho de 1922.
Por ser um homem de carácter inigualável, foi dado o seu nome a uma das ruas da vila que o viu nascer. A via denominada por rua Comandante Matos Preto, inicia-se no largo Dr. João Isabel e termina no largo da Liberdade. A sua inauguração realizou-se num Domingo de Páscoa do ano de 1925, mais precisamente a 12 de Abril.
Dr. Francisco Sobral
Francisco Maria de Barros e Vasconcelos da Cruz Sobral, médico militar, nasceu no Porto no ano de 1845. Filho do general de divisão Francisco Maria Melquíades da Cruz Sobral e de D. Maria Bárbara de Barros e Vasconcelos da Cruz Sobral, formou-se em medicina na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, tendo sido um dos alunos mais reconhecidos de seu curso. No ano de 1868 entrou no exército, tendo sido colocado como cirurgião ajudante no Regimento de Infantaria Nº 4, passando para a Infantaria nº12, aquartelado na Guarda, sendo em 1883 promovido a cirurgião-mor deste Regimento.
Em 1882 deflagrou na vila de Manteigas uma epidemia de tifo que subitamente alastrou de uma maneira assustadora, atacando os dois médicos existentes nesta localidade, causando a morte de um deles, e atingindo com gravidade o outro. A esta situação acrescia o facto de os medicamentos estarem esgotados, e as roupas e os alimentos necessários para os doentes rarearem. Haviam sido enviados pedidos de socorro à Guarda, mas os médicos desta cidade, temendo o contágio, recusaram ir. Assim, o Dr. Francisco Sobral, em face da recusa dos seus colegas, ofereceu-se para seguir imediatamente para Manteigas com o pessoal sanitário que foi possível arranjar. Impunha apenas como condição, não receber quaisquer honorários pelos seus serviços.
Ao chegar a Manteigas, montou logo um hospital provisório, expondo-se completamente a todos os perigos de contágio, e em pouco tempo, a epidemia estava debelada, e a população, retomando a confiança perdida, passou a auxiliá-lo na defesa dos habitantes ainda não atingidos. A sua ação passou também pela instituição de sopas económicas, ou seja, da sopa dos pobres, com autorização do governo civil de Lisboa. O próprio médico escrevia o que ia encontrando durante a sua estadia em Manteigas, como por exemplo, o estado de saúde de uma família composta por um casal e três filhos: “Em uma repugnante enxerga, quase preta pela sujidade, jaziam marido, mulher e três filhinhos, ressequidos pela sede, consumidos pela febre e não tinham água, nem luz, nem fogo, nem um caldo. Não tinham nada. Estavam cobertos com uns nojentos farrapos que deixavam ver, em diferentes pontos, as carnes não menos imundas do que todo o resto. E havia três dias que não viam pessoa nenhuma (…) Sinto-me bem quando penso que desde esse dia a fome fugiu daquela habitação, cujo aspeto me impressionou de uma forma extraordinária. Bendigo o feliz acaso que ali me levou, e ainda mais o ter na minha bolsa, o bastante para poder remediar os infelizes até ao dia em que se principiou a distribuir sopa económica.”.
O esforço do Dr. Sobral mereceu os aplausos de todo o país e o governo recompensou-o, agraciando-o com o Grau de Cavaleiro da Torre e Espada, por decreto de 5 de Abril de 1883. A Câmara Municipal de Manteigas, de forma a honrar a dedicação deste homem à vila, decide que um retrato seu seria elaborado e exposto na sala de reuniões camarárias, resolução presente na ata de sessão de Câmara de 23 de Maio de 1883: “(…) a Câmara (…) pedisse licença ao Exmo. Sr. Dr. Sobral, a fim de se lhe mandar extrair o seu retrato de tamanho natural e a óleo, o encaixilhado devidamente da melhor forma que podesse ser para ser colocado na sala de reuniões d’esta Câmara, para memória dos vindouros d’ um homem que tanto tem feito na cauza da epidemia que aqui tem grassado: a Câmara unanimemente accordou n’esta proposta e achou muito justa”.
O Dr. Francisco Sobral empreendia também esforços junto do poder central com o objetivo de melhorar as condições de vida na vila de Manteigas, como pode ser verificado observando a ata de sessão da Câmara de Manteigas de 24 de Julho de 1883: “o Exmo. Sr. Dr. Sobral pedindo a devida permissão disse que regressando há pouco de Lisboa onde combinou com o Governo de Sua Majestade a abertura de trabalhos públicos n’esta localidade para com isso ver se acodia à miséria dos desgraçados e para mais facilmente a fim se debelar a terrível epidemia que aqui nos tem afligido e constando-lhe que a pedido seu fora igualmente já aprovado o estudo do lanço da estrada municipal d’esta vila aos banhos propunha a Câmara para se prompto se acudir a estes males pozesse em arrematação parte do lanço da estrada a começar do local dos mesmos banhos até que estes trabalhos sejam auxiliados pelo Governo e pela Exma Comissão Executiva o que como Sua Excelência diz ficar combinado”.
A sua boa ação estendia-se a todo o distrito da Guarda, onde era reconhecido. Fisicamente, era alto, vigoroso, bem constituído e forte, usando um farto bigode e pera, sendo o seu cabelo castanho e espesso. Faleceu no dia 4 de Dezembro de 1888. Na ata de sessão da Câmara de Manteigas do dia 31 de Dezembro de 1894, é referenciada a transladação dos restos mortais do malogrado médico.
Pela sua grandiosa ação foi dado o seu nome à antiga rua do Sol, sendo esta deliberação tomada pela Câmara Municipal de Manteigas na ata de sessão de 15 de Dezembro do ano de 1888. A rua Dr. Francisco Sobral tem início na rua de Benguela, entroncando com a rua Engenheiro Pedro Roberto e terminando na rua de S. Marcos.
General Póvoas
Álvaro Xavier da Fonseca Coutinho Póvoas, fidalgo da Casa Real, comendador das Ordens de Cristo e da Torre e Espada, senhor das comendas de Mirandela e de Santa Maria, da Covilhã, cavaleiro da ordem de Avis, condecorado com a Cruz de Ouro da Guerra Peninsular. Nasceu na Guarda a 7 de Setembro de 1773 e faleceu na sua quinta de Vela, nas proximidades da Guarda, a 29 de Novembro de 1852. Filho de António Manuel das Póvoas de Brito Marecos, fidalgo da Casa Real e ouvidor do Brasil, e de sua mulher, D. Mariana Vitória de Castro Sousa e Almada.
Matriculou-se na Universidade de Coimbra, onde frequentou o primeiro e segundo ano do curso de Direito, mas ao assentar praça de cadete na cavalaria n.º 11, a 28 de Setembro de 1792, altera a sua formação para a área da Matemática, concluindo os estudos e obtendo a formatura em 1796. Foi um estudante muito distinto alcançando sempre os primeiros prémios. Em Setembro do mesmo ano, foi despachado capitão duma companhia de cavalaria, que organizou à sua custa e na qual os seus irmãos António das Póvoas de Brito Coutinho e Francisco de Melo Póvoas, desempenhavam os cargos de tenente e alferes. Em 1803 foi promovido a major, em 1809 a tenente-coronel, e a coronel em 1812, servindo nestes postos em cavalaria n.º 7, que tinha sido encarregado de organizar.
Álvaro Póvoas foi um dos oficiais que o general francês Junot enviou para França com a divisão portuguesa em 1808. Todavia, regressa a Portugal com o general Soult em 1809, o qual abandona, vindo a integrar o exército aliado. Até ao fim da Guerra Peninsular sempre se distinguiu, e terminada a campanha foi despachado brigadeiro em 1815 e marechal de campo a 13 de Maio de 1820, sendo mais tarde promovido a tenente general a 26 de Outubro de 1832. Sendo ainda marechal de campo foi deputado ao congresso constituinte que se reuniu depois da revolução de 1820. Entre várias comissões de que foi encarregado, exerceu as de inspetor-geral da arma de cavalaria, e das ordenanças.
Seguindo o partido absolutista foi um dos mais dedicados partidários de D. Miguel. Além da condecoração pelos serviços prestados na Guerra Peninsular, já citada, obteve ainda outras condecorações, como a medalha Fidelidade ao rei e à Pátria (vulgarmente, medalha da guerra da poeira) com a efígie de D. Miguel.
O general Póvoas adquiriu grande destaque a partir de 1828, como comandante duma divisão realista, sendo ainda marechal de campo. D. Miguel desembarcou em Belém a 22 de Fevereiro de 1828. As tropas que, desde 1823 sempre se lhe haviam conservado fiéis, e principalmente depois da morte de D. João VI, em 1826, estavam emigradas em Espanha, tendo por chefe o general marquês de Chaves. Era regente do reino a infanta D. Isabel Maria, que para combater os realistas, em 1826, tinha, para além de mais de metade das tropas portuguesas, uma divisão inglesa de 6.000 homens, comandada pelo general Clinton. Após D. Miguel assumir a posição de regente, despede as tropas inglesas, que em 25 de Abril de 1828 embarcavam para Inglaterra, e admitiu a continuação ao serviço do exército liberal, que em 1826 e 1827 havia combatido contra as tropas realistas, não mandando regressar ao reino as tropas emigradas, com cuja fidelidade poderia contar. Esta cadeia de eventos resultou numa revolta de parte das tropas, no Porto, a 16 de Maio de 1828, depois de terem jurado fidelidade ao governo realista. D. Miguel organizou apressadamente um exército, com os poucos corpos que se lhe conservaram fiéis, como regimentos de milícias, alguns batalhões de voluntários e corpos de guerrilhas, atribuindo o seu comando ao marechal Póvoas, que marchou contra os revoltosos.
Em 1829, Álvaro Póvoas foi nomeado general das armas da Beira Alta, e em 1832 comandou a 2.ª divisão do exército de operações em frente do Porto. Neste posto, a sua mais notável proeza foi a vitória de Souto Redondo, a 7 de Agosto desse ano. Em 20 de Dezembro de 1833 foi-lhe atribuído o comando em chefe do exército realista. Pelo mau plano e péssimo resultado da batalha de Almoster, para os realistas, em 13 de Fevereiro de 1831, D. Miguel exonerou o general Póvoas do comando em chefe logo no dia 19, imediato à batalha, sendo substituído pelo general José António de Azevedo e Lemos.
Terminando a Guerra Civil em 1834 com a Convenção de Évora Monte, que determinava a rendição dos miguelistas, Póvoas retirou-se da vida pública, e só no princípio do ano de 1847, tendo já 73 anos de idade, é que tornou a aparecer na cena política.
Nesse ano, organiza uma força popular com que se apresentou à Junta do Porto, executando algumas operações contra as tropas do governo cabralista, que lhe renderam fama e prestígio. Em Fevereiro desse mesmo ano, partiu para Manteigas com as suas tropas para poder fugir dos seus inimigos. Cercados pelas tropas contrárias, que eram superiores em termos quantitativos, conseguiu escapar, fazendo uma retirada noturna pela Serra da Estrela, julgada impossível, fintando as forças governamentais do regime que tinham como certa a sua captura. Durante a sua estadia na vila de Manteigas, ficou instalado na conhecida Casa da Latada. O governo patuleia quis dar-lhe o título de Conde de Vela, que ele recusou, reiterando a mesma recusa quando o governo constitucional lhe fez igual oferecimento.
Faleceu na Quinta da Vela, localizada nas cercanias da Guarda a 29 de Novembro de 1852. Devido à sua coragem e dedicação ao país, na vila de Manteigas deram o seu nome à antiga Rua dos Conqueiros.
José Biscaia Rabaça
José Biscaia Rabaça, ilustre manteiguense, foi promovido a Tenente – Coronel no ano de 1953, sendo colocado na 1ª repartição da 2ª Direção Geral do Ministério do Exército, tendo assim de deixar a Escola Prática de Administração Militar, onde durante largos anos prestou serviços, desde os próprios de oficial subalterno e de instrutor, às elevadas funções de comando. Durante a sua colocação oficial nesta escola, desempenhou importantes comissões de serviço, tomando parte em várias manobras militares e prestando serviço durante alguns anos na Repartição de Gabinete do Ministro da Guerra, trabalhando no serviço de abastecimento das Forças Expedicionárias, durante a situação de emergência vivida pelo nosso país. Pelos serviços prestados foram-lhe concedidos valiosos louvores sendo distinguido com várias condecorações e medalhas, tais como: Comendador de Avis; medalhas de bons serviços, de mérito militar, de serviços distintos e comportamento exemplar.
O Tenente – Coronel Biscaia Rabaça amou sempre a vila de Manteigas, sobretudo a freguesia de Sameiro de onde era natural. Faleceu no dia 2 de Maio de 1955 e precisamente um ano depois foi inaugurado um busto para perpetuar a memória do Tenente – Coronel e enaltecer a sua brilhante carreira de oficial militar que com as suas qualidades de trabalho, de inteligência e de honra conseguiu conquistar. Este monumento encontra-se no jardim do Valazedo, na entrada da vila de Manteigas. A freguesia de Sameiro, de forma a homenagear este ilustre cidadão, atribuiu o nome de Tenente-Coronel Biscaia Rabaça a uma das suas ruas.
Nascimento e povoamento
Após a reconquista dos territórios aos Muçulmanos, os reis e alguns poderosos senhores da nobreza e do clero fundaram concelhos e Manteigas não foi exceção. Desde finais do século XI que se assistiu por todo o país ao povoamento de recônditos lugares. Exemplo marcante foi o distrito da Guarda, um dos preferidos dos nossos primeiros reis.
A atribuição de uma carta de foral constituía, pois, uma medida que visava incentivar o povoamento de terras de difícil acesso e desenvolver culturas pouco rentáveis. Tendo como principal inimigo o muçulmano e com o perigo eminente de incursões oriundas de Badajoz e Cárceres, D. Sancho I procede a uma profunda reorganização do território de forma a consolidar o que tinha sido conquistado, uma preocupação em povoar zonas fronteiriças de forma a consolidar a defesa. Além disso era extremamente importante adequar leis às populações que regessem as suas atividades, os seus costumes e que focassem questões relacionadas com a sua proteção e fiscalidade.
É neste espírito que D. Sancho I concede forais a Gouveia (fevereiro de 1186), Covilhã (setembro de 1186), Folgosinho (outubro de 1187), Centocellas, atual concelho de Belmonte (1199) e Guarda (novembro de 1199).
Historicamente, Manteigas terá nascido oficialmente entre 1186 e 1188. Ainda que o seu certificado de nascimento – carta de foral concedida por D. Sancho I – se tenha perdido no tempo, não existe qualquer dúvida quanto à promulgação de tal diploma, pois o Foral de 1514, aquele que é o foral que o município guarda, faz referência expressa à existência de um foral outorgado por D. Sancho I:
«Achamos per foral del rey dom Sancho primeyro que os tributos foros e direitos reais na dita villa se deuem e ham de arrecadar e pagar daquy em diante na maneyra e forma seguinte…»
Da análise sumária feita à cronologia dos forais da região, presume-se que Manteigas tenha tido o seu primeiro Foral entre 1186 e 1188, isto porque tendo Seia recebido carta de foral em 1136, Gouveia e Covilhã em 1186 e Folgosinho em 1187, não existe em nenhum desses documentos qualquer referência a Manteigas relativamente aos limites desses concelhos, o que nos leva a pensar que a Carta de Foral a Manteigas seja posterior a 1187, podendo aceitar-se o ano de 1188 como sendo o da criação do foral e do concelho.
Apesar de não existirem registos referentes à ocupação de Manteigas antes do século XII, há indícios que levam a acreditar numa provável existência, já no tempo dos romanos, de uma povoação com alguma importância na área onde hoje se localiza Manteigas., afirmação que merecerá naturalmente algumas reservas. Analisada a toponímia, poderá associar-se o local Campo Romão a um lugar fortificado ocupado pelo homem no tempo dos romanos.
Um outro lugar próximo de S. Gabriel designado de Vargem do Castro estará associado a uma ocupação mais antiga do que a romana, pois a designação crasto > castro, indicativo de recinto fortificado, poderá ter correspondência com ruínas ou vestígios arqueológicos de um tipo de povoado, da Idade do Cobre e da Idade do Ferro, anterior à chegada dos Romanos a esta região.
Um outro vestígio terá sido a existência de uma lápide na antiga Igreja de Santa Maria que comemoraria a passagem de Júlio César por esta região, à frente das suas tropas, datada de 50 a. C. O seu desaparecimento estará ligado à reconstrução da frontaria da dita igreja no ano de 1876, onde a placa se encontraria incrustada ou à sua inserção nos alicerces da igreja de Santa Maria aquando a sua reconstrução em 1935.
Também terá sido encontrada, na primeira ou segunda década do séc. XX, no Ribeiro dos Bacelos, perto do Tinte, em Manteigas, uma moeda romana, um «denarius» de prata, ainda do tempo da República Romana, talvez de cerca de 112 a.C., mandado cunhar por Manius Aemilius Lepidus (informação mencionada num artigo do jornal local Ecos de Manteigas, n.º 341, de 12-01-1969).
Quanto à passagem de povos germânicos (suevos e visigodos) não há qualquer referência. Mas dos povos muçulmanos fala-se num emirato que servirá de suporte à Lenda de Alfátema, a lenda de uma princesa moura encantada, associada à reconquista pelos cristãos dos territórios ocupados pelos mouros a partir de 710.
Naturalmente que se tratam de dados insuficientes que merecem algumas reservas, mas que deverão ser tidos em consideração. Na verdade, até ao ano de 1220 não existe qualquer documento que mencione a vila de Manteigas, sendo que esta data diz respeito a Sameiro, que só em 1835 foi adstrito ao concelho de Manteigas na sequência da reorganização administrativa de D. Maria II. O termo Sameiro surge numa carta de foral concedida nesse ano por D. Guilherme Raimundes, que pretendia povoar uma herdade que possuía in riba mondego, et est in termi no felgosino. Transcreve-se aqui uma das disposições:
«Vizino de vila noua per totum regnum Portugal non pectet calumnia nisi per foro de Zameiro»
Referências antigas sobre Manteigas surgem nas Inquirições de D. Afonso III, em 1258, sobre os impostos em géneros que eram pagos pelos habitantes de Manteigas. Com o objetivo de saber o que pertencia à Coroa e o que abusivamente andava na posse dos particulares, o monarca procedeu a inquirições por todo o país. Relativamente a Manteigas, os inquiridores registaram os seguintes impostos: vinho, cevada, uma vaca, porcos, carneiros, cabritos, ovos, manteiga, mel, sal, farinha, vinagre, lenha, alhos e cebolas, de onde se deduz que seriam estes os produtos que se cultivavam e os animais que se criavam.
Transcreve-se essa parte do documento:
“De Manteigas 300 paes e de vinho cinquo puçaaes e som pella nossa medida III pucaaes e huũ’ almude e meo e de cevada dez carteiros e som pella nossa medida V moios e cinquo algueires e hũ’a vaca e três porcos VII carneiros com o do alfeire e quatro cabritos e duzentos ovos e huũ’ alqueire de mel e huũ’ alqueire de sal e huũ alqueire de farinha e huũ almude de vinagre e duas carregas de lenha e duas restes de alhos e duas de cebolas e por acafram (sic) e por pimenta huũ’ maravedil.”
No século XVI os cinquo puçaaes de vinho equivaliam a vinte e cinco almudes, isto é, seiscentos e vinte e cinco litros, numa zona sem as mínimas condições para o cultivo da vinha, como ainda hoje acontece. Todavia, estas disposições vieram a desaparecer tendo sido substituídos estes géneros por um único imposto em dinheiro no tempo de D. Dinis.
Sublinha-se o pormenor dos pães, farinha e ovos. Tal como a cevada, os pães e farinha pressupunham a produção de cereais. Se tivermos em conta que haveria poucos concelhos que fossem obrigados a pagar uma quantidade tão grande de pães e de ovos, isto será sinónimo de uma riqueza e de uma enorme produção, talvez das maiores do Reino, segundo a opinião de João L. Inês Vaz. Difícil será explicar esta situação se tivermos em conta o contexto geográfico do concelho e as fracas acessibilidades. Talvez a explicação possa estar relacionada com a densidade populacional resultante da atribuição do primeiro foral a Manteigas, aspeto revelador do objetivo atingido pelo ‘monarca povoador’.
No Arquivo Municipal de Manteigas o documento mais antigo remonta a 1302 e refere-se a um compromisso de dívida dos vizinhos de Manteigas feito pelos representantes dos mesmos. 4 de dezembro de 1524 é a data do último pergaminho, que corresponde a um Alvará de D. João III dado à vila de Manteigas fazendo-lhe mercê para sempre da ‘Vedoria dos Panos’.
Além desses testemunhos, existe uma série documental sob o título ‘recibos do pagamento do imposto da colheita’, também designado por «jantar» e «parada», imposto inicialmente constituído por géneros mas que com o passar do tempo foi substituído por uma contribuição em numerário, como já sucedia na época no caso de Manteigas.
No Foral Novo de Manteigas há referência aos impostos que os moradores tinham de pagar em cada ano. Entre outros, os moradores pagavam por ano:
«Cinquo mil e quatrocentos reais de colheyta que se montam nas cento e cinquoenta livras em que ho dito gentar foy apreçado quando per El Rey dom denjs foram mudados nas ditas cento e cinquoenta livras os sesenta maraujdus douro por que na primeyra pouoaçam a dita colheyta foy posta pera a qual paga poderam lançar finta…»
Na frase ‘por que na primeyra pouoaçam a dita colheyta foy posta’, deve-se interpretar como a primeira vez que Manteigas foi povoada ou desde o princípio do seu povoamento, promovido por D. Sancho I – afirmação reveladora da certeza que o monarca tinha relativamente ao passado histórico da vila, o que pressupõe também que existiriam documentos no tombo real que teriam referências sobre Manteigas.
Também num despacho de 1520 dado por D. Manuel I, sobre uma petição dos habitantes de Manteigas, surgem indicações da fundação da vila:
«que os Reys destes Regnos antepassados vendo como a dita villa era despovorada por ser terra muito esterilli de muito trabalho e ser lloguar metido no meio da serra da estrella honde as gentes areceavam acentar vivenda, concederão aos moradores da dita villa muitos privillégios…»
Ora, a expressão ‘a dita villa era despovorada’ não se refere apenas a uma povoação cuja população tivesse desaparecido e fosse repovoada, mas sim à fundação de um povoado, de uma vila, sede de um concelho e à organização do território do ponto de vista económico, fiscal, jurídico, entre outros.
Esta sentença de desagravo de 1520 é o documento demonstrativo da luta pela preservação dos direitos dos habitantes de Manteigas. Trata-se de um despacho de D.Manuel I que vem confirmar o único privilégio dos moradores de Manteigas de que se tem a certeza de vir exarado no foral antigo de D. Sancho I.
O privilégio de que se está a falar diz respeito à fruição dos maninhos. Os moradores poderiam usar os maninhos do concelho sem pagarem qualquer imposto, pois a este respeito diz-se no foral manuelino:
«nom se leuam manos aos moradores da dita villa das terras somente que laurarem dentro do seu limite porque quanto lhe foy dado pollos senhorios passados confirmado per nossa carta. E asy por este nosso foral para sempre.»
Esta regalia que remontaria ao tempo de D. Sancho I seria uma forma de atrair povoadores para as regiões despovoadas, como seria a da Serra da Estrela, com condições climáticas adversas quer ao Homem quer à prática da agricultura.
Fruto da reforma administrativa ocorrida em 1896, o concelho foi extinto em 26 de junho desse ano e anexado ao da Guarda durante cerca de ano e meio, vindo a ser restaurado em 13 de janeiro de 1898. Para tal restauração, em tão curto espaço de tempo, muito terá contribuído o papel preponderante de Joaquim Pereira de Mattos, ilustre industrial manteiguense, que propôs adquirir e transferir para Manteigas uma importante unidade industrial de lanifícios radicada em Portalegre. Mas fortes influências ter-se-ão movido no sentido dessa transferência não se concretizar e Joaquim de Mattos impôs como condição para desistir da ideia, que o concelho de Manteigas voltasse a ser restaurado, o que veio a verificar-se a 13 de janeiro de 1898.
Origem do topónimo
Sobre o passado da vila de Manteigas muito há a dizer, embora alguns pormenores, fruto de conjeturas, mereçam algumas reservas. Ainda assim, existem aspetos interessantíssimos sobre os quais nos propomos refletir.
A primeira observação incide precisamente sobre a origem do nome da vila de Manteigas, onde as opiniões se apresentam bastante divergentes. Uma das versões associa o vocábulo ao plural de manteiga, derivado do latim nattalica-nato, uma vez que em tempos remotos este local seria abundante em gado ovino fazendo-se aqui boas manteigas «era antigamente lugar muito abundante de vacas, onde se faziam boas manteigas, de que tomou o nome» (Chorografia Portugueza e Descripçam Topográfica do Famoso Reyno de Portugal, Padre António Carvalho da Costa, 1706-1712).
Sobre esta questão também é feita a associação do topónimo à palavra manteca, que significa ‘manta pequena’, teoria por vezes rejeitada se a relacionarmos com as capas dos pastores que sempre foram compridas.
Do ponto de vista toponímico, há ainda uma outra versão para a origem do nome da vila: a de que de substantivo comum manteigas tenha passado a nome de pessoa. Dona Urraca Nunes Manteiga aparece como antropónimo em 1258 ligado ao concelho de Guimarães, citada por José Pedro Machado e José Mattoso que encontrou este nome em mais de dez porções de terra no mesmo concelho, onde Dona Urraca Manteigas seria proprietária. Um antropónimo deste tipo pode muito bem ter passado a nome de lugar. A presença de diversos portadores deste nome poderá explicar o plural de manteigas. Os casos de nomes de pessoas que deram nome a povoações são numerosos por todo o lado e não é de estranhar que o sobrenome de grupo familiar que se tenha estabelecido neste lugar tivesse vindo a originar a expressão «o lugar dos manteigas»
Presença Criptojudaica
Muito recentemente foi possível acrescentar novos dados à história da vila de Manteigas relacionados com a presença de outras comunidades. O concelho de Manteigas é agora espaço comprovado da presença de judeus secretos (criptojudeus) e da prática de judaísmo. A identificação de marcas de simbologia religiosa associadas às comunidades judaicas e cristãs-novas visíveis no património construído e o estudo dos processos inquisitoriais de réus naturais de Manteigas condenados por práticas de judaísmo vieram a revelar-se conclusivos relativamente à presença judaica.
Das marcas convencionalmente associadas às comunidades judaicas e criptojudaicas, detetaram-se na vila de Manteigas: cruciformes, concavidades (marcas na Mezuzah) e gravações longitudinais, tendo sido também considerados os portais com chanfros.
Interessante foi também a informação conseguida com o estudo dos processos inquisitoriais. Entre os vestígios imateriais de criptojudaísmo foi possível conhecer, entre outros aspetos, as orações, as cerimónias, os jejuns, as práticas e as restrições alimentares.
“Manteigas está hoje apetrechada para dar expressão a uma realidade criptojudaica para que, quer os Manteiguenses, quer os visitantes, possam fruir essa herança e esse património específicos”.
in Manteigas Minha Pátria, Câmara Municipal de Manteigas, 2015.
Roteiro das Marcas da Herança Criptojudaica – Flyer
Tour Itinerary Traces of the Legacy of the Crypto-Jews – Flyer